Instituto criado por mãe de Caleb, bêbê de 3 meses que morreu na Santa Casa, reuniu relatos de cinco mães
A enfermeira Gabrielle Montalvão, mãe de Caleb Montalvão, que faleceu por complicações cardíacas no dia 9 de maio de 2023 na Santa Casa, em caso de grande repercussão publicou no perfil do “Instituto Um Só Coração”, fundado por ela, vários relatos de mães que expõem suposta negligência da Santa Casa no setor de cardiopatia.
São cinco mulheres identificadas pelo primeiro nome, que falam o nome dos respectivos filhos. Dentre as reclamações estão a falta de estrutura, falta de acolhimento humanizado, dificuldade de obter informações com os médicos, de saber a razão pelas quais algumas atitudes estão sendo tomadas e demora na realização das cirurgias.
O depoimento mais forte é de Amanda, única das cinco que perdeu o filho. Dia 12 de deste mês, setembro, segundo ela, faz um ano que ele morreu.
“Disseram que o caso do meu filho não era tão grave, que ele podia esperar. Aí eu busquei outros médicos, outras respostas e descobri que o caso do meu filho era bem grave. Não entra na minha cabeça como eles conseguem continuar com esse título referência em cirurgia cardíaca, sendo que eles não têm um suporte para uma criança cardiopata que chega descompensada. No mesmo dia que ele deu entrada ele veio falecer”.
Outra mãe, a Jaine, conta como um médico teria assustado a filha dela de 10 anos ao repetir várias vezes que ela poderia morrer. “O médico começou falar que poderia furar o coração dela, que poderia ter uma hemorragia, que ela poderia morrer ali, poderia morrer depois. Começou a falar só essas coisas e minha filha começou a ficar desesperada, começou a chorar lá dentro mesmo, porque sabia que ela ia se ligar, porque já tem 10 anos”.
Já Raquel reclama da demora e da falta de explicações sobre os procedimentos. “Tem fila de espera, falam que vão ligar e essa ligação não acontece. Lá não tem acolhimento, as coisas não são explicadas, não é esclarecedor. Hoje eu vejo que o que nós sofremos lá foi uma coação. A cirurgiã não explicou, só disse que não ia fazer a cirurgia do meu filho”.
Morte de Caleb – Conforme levantado até agora, no 7 de maio, Caleb começou a passar mal em casa, com gemidos e dificuldade de respirar. Atendido pelo Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), ele foi levado para a Santa Casa com a ajuda de oxigênio, onde não recebeu atendimento imediato.
Segundo Janice, o bebê chegou ao hospital por volta das 9h, mas só recebeu a primeira medicação às 17h38. “A primeira negligência foi aí. A criança estava em sofrimento, roxo. Essa foi a primeira omissão”.
Ainda conforme a acusação feita pela família de Caleb, a mãe foi avisada que a médica especialista em cardiologia pediátrica havia sido chamada para o hospital com urgência. Ela poderia avaliar melhor a criança, o que só aconteceu também muitas horas depois de o bebê chegar ao hospital. Às 22h daquele dia, o menino piorou e foi levado para a UTI (Unidade de Tratamento Intensivo).
No dia seguinte, o bebê permaneceu na UTI, mas sem atendimento da médica que o acompanhava desde o nascimento e também era plantonista no hospital, segundo a família. Caleb passou por exames de sangue e a profissional que o avaliou e pediu ecocardiograma, realizado na hora. Neste último teste, ficou constatada insuficiência cardiorrespiratória, descompensação cardíaca e a possibilidade de obstrução nas veias pulmonares.
A família diz que o garotinho precisava de uma cirurgia de urgência, mas mais um exame foi pedido, uma angiotomografia. Instável hemodinamicamente, ele não passou pelo procedimento que, de qualquer maneira, só seria feito no dia seguinte, 9 de maio.
O quadro se agravou, Caleb precisou ser intubado sem a presença, mais uma vez, de um cardiologista pediátrico, e às 19h daquele dia, a médica que o acompanhava desde o nascimento o avaliou, mas ele já estava morrendo. “Foi uma cadeia de omissões. A criança teve 15 paradas cardiorrespiratórias ao longo do dia 9 e não foi avaliada por ninguém”, argumenta a advogada.
No atestado de óbito, a causa da morte registrada foi choque cardiogênico e choque séptico (infecção generalizada), mas a família contesta porque exames de sangue não mostraram sinais de infecção.
Além de responsabilizar as médicas, Gabrielle quer que a Santa Casa de Campo Grande responda, uma vez que o hospital deveriam manter escala de plantão com especialistas em cardiologia pediátrica, conforme prevê a Portaria 1.846/2018, do Ministério da Saúde.
A instituição filantrópica paga R$ 84 mil por mês para a clínica privada, onde as médicas que atenderam Caleb também atuam, fornecer o revezamento de profissionais, na modalidade plantão ou sobreaviso.
O Campo Grande News solicitou neste domingo (1º) um retorno da Santa Casa sobre os depoimentos das mães, mas até o momento não obteve resposta.
Resposta por mortes – Em reportagem publicada no dia 5 de junho, porém, após o Ministério Público de Mato Grosso do Sul cobrar explicações da Santa Casa e da Prefeitura de Campo Grande sobre mortes de bebês com cardiopatias, o hospital respondeu que todo o trabalho sempre ocorre com “máxima diligência e profissionalismo por parte de toda a equipe envolvida”.
Mesmo assim, reconhece que o pré-natal é falho em toda rede pública, o que prejudica o diagnóstico já na fase intrauterino e poderia garantir acompanhamento especializado. O hospital fala em “dificuldades enfrentadas pela rede de saúde em encaminhar gestantes para o acompanhamento oportuno, o que por vezes resulta em identificações tardias de complicações na gestação”.
Mas o hospital garante que “se esforça para superar esses desafios, proporcionando consultas frequentes e planejamento adequado do parto, visando o nascimento da criança nas melhores condições possíveis”.
Fonte: CAMPO GRANDE NEWS.