Polícia

Contrato do SIGO: Ninguém diz quanto MS gasta com bloqueio de celular que não funciona em presídios

A Penitenciária de Segurança Máxima teria 64 bloqueadores, mas faltam informações sobre contrato do Sigo

Foto: Henrique Arakaki/Midiamax

Ninguém sabe ao certo quanto o Governo de Mato Grosso do Sul gasta mensalmente com bloqueadores de telefone que não funcionam nas penitenciárias da Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário).

O que se sabe é que os bandidos continuam usando as unidades prisionais de MS como verdadeiros escritórios e até como ‘depósitos’ do crime. Os detentos têm acesso à internet, smartphones, e até explosivos foram flagrados ‘guardados’ numa penitenciária gerida pela Agepen.

Enquanto isso, as informações da Compnet, empresa contratada para fornecer os produtos e serviços que deveriam manter os presos isolados, se desencontram com o que a Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública) informa sobre o contrato.

Uma das informações é de que o pagamento pelos bloqueadores de sinal de celular nas penitenciárias de MS é feito pelo contrato milionário para manutenção do SIGO (Sistema Integrado de Gestão Operacional).

‘Embutido no contrato do SIGO’

Inicialmente, na Sejusp e na Agepen, a informação para a reportagem foi de que realmente o pagamento pelos bloqueadores de celulares que não funcionam seria feito ‘junto com o contrato do SIGO’.

Mensalmente, saem dos cofres públicos de Mato Grosso do Sul R$ 1.530.313,82 pelo contrato 32/2021/Sejusp, assinado em 22/06/2021, com valor inicial de R$ 58,4 milhões. De lá para cá, o contrato foi aditivado uma vez. Assim, o valor atual já é de R$ 59,5 milhões.

Porém, os valores recebidos pela empresa são bem maiores. O contrato, inclusive, é alvo de disputa judicial.

A Compnet recebeu R$ 20,9 milhões do Governo do Estado a mais do que o valor do tal ‘Contrato do SIGO’, conforme informações públicas obtidas pelo Portal da Transparência. Isso somente até abril deste ano, data do último pagamento. De acordo com o sistema, os valores já foram empenhados, liquidados e pagos pelo Estado.

Compnet confirma recebimentos pelos bloqueadores que não funcionam

A reportagem do Jornal Midiamax falou com o dono da Compnet, Adriano Chiarapa, apontado como responsável por cobrar pelos equipamentos e serviço que não funciona.

O empresário confirma que fornece o serviço e recebe junto com o ‘pacote do Sigo’. Além disso, ele admite que a tecnologia comprada pela Sejusp para barrar o acesso da massa carcerária à internet e a linhas celulares não funciona.

Em relação aos bloqueadores de celulares, o empresário Adriano Chiarapa afirma que o contrato firmado com o Governo não contempla novas tecnologias e que nele os bloqueadores seriam eficazes até o 4G.

Questionado sobre porque continua recebendo pelo serviço ineficaz, o empresário se limita e dizer que a Compnet não foi ‘provocada’ pelo Governo, falando sobre a falta de funcionamento dos bloqueadores. “Nós precisamos ser avisados do defeito”, alega. 

No entanto, as informações do empresário também não são claras. De acordo com informado por Adriano à reportagem, a manutenção em relação aos bloqueadores seria anual e o valor de R$ 600 mil por mês incluiria também o Sigo. 

Contrato do Sigo milionário e sistema cheio de problemas

A Compnet tem contrato com o Governo para a manutenção também do sistema Sigo, onde são registrados os boletins de ocorrência. O sistema é usado por cerca de 18 mil usuários, que vão além das forças policiais, incluindo também advogados, imprensa e Ministério Público.

Assim como os bloqueadores, o sistema também vem apresentando diversos problemas e deixado a população sem acesso até ao registro de BOs em casos de violência doméstica contra mulheres.

Mesmo assim, de acordo com o Portal da Transparência do Governo de MS, de janeiro a abril já foram gastos mais de R$ 7,6 milhões com o sistema. O total desde que foi celebrado, em 22 de junho de 2021, supera os R$ 80,4 milhões.

Bloqueadores obsoletos

Os primeiros bloqueadores instalados na Máxima foram em 2014 e já em 2021 foi aberto um inquérito para apurar as irregularidades dos bloqueadores. O último contrato celebrado da empresa Compnet com o Estado tem data de validade de 22 de junho de 2023 a 22 de junho de 2025, com valor de R$ 59.573.730,00. 

O objeto da contratação é: Contratação de empresa especializada em prestação de serviços de tecnologia continuados, contemplando manutenção legal, preventiva, corretiva, evolutiva, ajustes de performance, customização, parametrização, integrações, testes, treinamentos e suporte nível zero do Sistema Integrado de Gestão Operacional – SIGO, para atender a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública e Segurança Pública/MS, no número de contrato 15.227, com número de processo 31/001.396/2019. 

Mas, os aparelhos que eram para bloquear os celulares que são constantemente arremessados para dentro das muralhas da penitenciária, estão obsoletos, segundo muitos policiais penais ouvidos pelo Jornal Midiamax.

“Bloqueador é uma piada na Agepen, isso não funciona”, diz um dos agentes da Máxima. Outro fala, “gasta valores absurdos por aparelhos inoperantes”, diz o policial penal que ainda fala da sobrecarga dos agentes. Um agente confirmou ao Midiamax que os bloqueadores não atingem novas tecnologias, como o 5G.  

Agepen diz que suspendeu contrato

No entanto, também em comunicação oficialmente documentada, a Agepen ao ser questionada sobre as informações da Compnet, assegurou que ‘o contrato que previa o funcionamento de bloqueadores foi suspenso’.

Segundo a Agepen (Administração Penitenciária de Mato Grosso do Sul), “os bloqueadores, que são de alto custo para a administração pública e já foram utilizados em algumas unidades prisionais, os mesmos não se mostraram com eficácia esperada, e ainda prejudicaram a vizinhança dos presídios”.

Assim, o órgão teria, deliberadamente, decidido parar de tentar bloquear o sinal de celular e internet nos presídios. “O contrato que previa o funcionamento de bloqueadores foi suspenso, devido a comprovada ineficácia da tecnologia”, diz o comunicado.

Após admitir que ‘desistiu’ de usar os bloqueadores, a Agepen enviou nota oficial em que diz manter ‘medidas administrativas para enfrentamento da entrada de ilícitos e combate a Organizações Criminosas (ORCRIMs)’.

O informe da Agepen ainda lista medidas que, segundo o órgão, combateriam o acesso dos bandidos à livre comunicação dentro dos presídios de MS:

• Manutenção das lideranças nas Penitenciárias Estaduais de Regime Fechado da Gameleira I e II;

• Atuação conjunta com a Secretaria Nacional de Políticas Penitenciárias – SENAPPEN, através de diversas operações, dentre elas a MUTE, que em MS resultou na apreensão de 408 aparelhos celulares durante as quatro fases da Operação;

• Aumento gradual das vistorias realizadas em todas as unidades penais, que totalizaram 3.083 apreensões de aparelhos telefônicos em 2023 e 800 aparelhos no primeiro trimestre de 2024;

• Transferência de indivíduos relevantes no contexto criminal para as unidades do Complexo da Gameleira (PEMRFG I e II).

Na prática, inúmeras ocorrências policiais apontam que o plano não está funcionando.

Comando do tráfico nos ‘aposentos’ da Máxima

Recentemente, por exemplo, Kleverton Bibiano Apolinário, conhecido como ‘Pato Donald’, encarcerado no Presídio de Segurança Máxima, foi flagrado gerenciando um grupo que gerencia negócios ilícitos como o narcotráfico fora da unidade da Agepen, nas ruas de Campo Grande.

Ele usava o codinome de Enzo no WhatsApp para a troca de mensagens. Pelo aplicativo, teria organizado uma execução que deu errado e acabou na morte de dois adolescentes de 13 anos de idade no Bairro Jardim das Hortênsias, em Campo Grande.

Na troca de mensagens rastreadas pelos policiais foi descoberto que, logo depois do crime, o detento orienta bandidos de fora sobre como escapar da polícia.

As mensagens ainda traziam tratativas de como o comparsa poderia fugir para não ser preso pelo crime. Assim, revelam verdadeiro serviço de ‘contrainteligência’ dos bandidos dentro da Máxima.

Em outro trecho, em uma mensagem rastreada, Kleverton falava para o parceiro criar outro perfil no Facebook para conversar com ele.

O ‘cuidado’ com a discrição e cibersegurança dos bandidos, segundo servidores públicos da segurança pública, é indício de como a comunicação partindo de dentro dos presídios está normalizada em Mato Grosso do Sul.

“O presídio onde o detento está é de segurança máxima só no nome”, concordam servidores da segurança pública de Mato Grosso do Sul que falaram com a reportagem.

Fonte: Midiamax.

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